sábado, 22 de janeiro de 2011

A VANGUARDA DE ARIADNA E A RETAGUARDA DA GLOBO




Todos os gays e lésbicas sabem que na linha de frente sempre estão as travestis e transexuais [recuso a usar artigo definido masculino nesses dois casos]. São elas as primeiras a receber pedradas, xingamentos e desprezo. Tudo porque desafiam os limites do que é ser homem e do que é ser mulher e - como Prometeus contemporâneos - levam luz para questões de inadequações de corpo e gênero. Mas nem por isso merecem que a grande águia coma seus fígados, já tem urubus demais em volta perturbando sua vontade de unir ser e parecer.

Desde que apareceu como uma das participantes do Big Brother Brasil 11, Ariadna Thalia virou o centro das atenções do programa. Em uma ação orquestrada da Globo com suas centrais de notícias foram aparecendo primeiro fotos suas - ainda com pênis - anunciando programa de prostituição na Europa. Depois, vieram entrevistas com seus “amigos” falando que a sister era transexual, que viveu na Itália e fez a transgenitalização, também conhecida como operação de mudança de sexo, na Tailândia. E por fim, um vídeo que ela mostra sua “nova face” também é divulgado e viralizado. Tudo isso antes de começar o reality show.

Com tantos requintes de “exotismo” para a grande massa, uma certa perversidade tomou conta dos corações. Qual vai ser o bofe que vai ficar com Ariadna? Quando um dos brothers souber que beijou uma transexual, será que ele irá dar porrada nela?

Armado o circo, Boninho e sua trupe não poderiam ter melhores esperanças para o sucesso do programa, mas eles esqueceram dos leões que eles alimentaram por tanto tempo fora da casa – uma boa parte do público.

[PAUSA: É muita ingenuidade acreditar que um reality é feito por elementos da chamada objetividade, existe na verdade uma dissimulação do que o senso comum acredita ser o documentário, mas o alto grau de intervenção desde a edição aos ângulos das câmeras até as chamadas provas, mostram algo muito bem controlado. Claro que como tudo, até na própria ficção, sem os 100% de controle]

Faz 4 edições – se não estou enganado, desde que Boninho resolveu ter uma intervenção ainda mais direta no programa - que os vencedores são jovens, brancos, héteros e homens. Alemão, Rafinha, Max e Dourado são exemplos do “macho adulto sempre no comando”. De alguma maneira, educou-se esse público para uma imagem do vencedor.

De alguma forma, Ariadna representava perigo na ordem estabelecida por anos no programa. Se ela ficasse com um possível “macho alfa”, ela quebraria uma lógica vitoriosa até então. E novamente evocando Prometeu, ela traria luz para diversas questões perversas. Todos nós gays sabemos que quem gosta de travesti e transexual é hétero, mas essa verdade é muito difícil de ser revelada, até pelas próprias trans.

Outra perversidade é negar às trans o sonho de fazer a passagem, de se tornar mulher. A todo instante joga-se na cara das bonecas que mesmo elas operando, elas nunca serão femininas, elas nunca alcançarão o que desejam: unir o ser com o parecer. Contra isso, Ariadna negou em alto e bom som no dia de sua eliminação: “Eu sou mulher”.

Ariadna que nasceu Thiago atravessou essa fronteira, mas foi metralhada por 49% dos votos que pediram para ela sair da casa, do reality e dos canais de notícia. Como guerreira, ela esteve na vanguarda, como se chama a linha de frente do exército e a Globo com seu BBB novamente volta para sua retaguarda tão segura e higienista.

Parafraseando o velho ditado popular: Quem tem retaguarda tem medo.


Do blogay.folha.blog.uol.com.br Escrito por Vitor Angelo

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